sábado, 17 de agosto de 2013

Professora potiguar faz sua estreia na literatura com fábulas de inclusão

Atualizado: 16/08/2013 21:43 | Por Maria Fernanda Rodrigues - Enviada especial a Natal, estadao.com.br
 
Débora Araújo Seabra de Moura lança 'Débora Conta Histórias'
 
 
Nas fábulas criadas por Débora Araújo Seabra de Moura, que resultaram em sua estreia na literatura com o infantil Débora Conta Histórias (Alfaguara), vivem um passarinho de asa quebrada, uma galinha surda, um sapo que não sabia nadar, um gato e um coelho preto, um cachorro e um papagaio que não se davam e um pato gay. Algumas dessas histórias remetem a cenas concretas que a autora presenciou na infância e adolescência. Outras foram inventadas. Juntas, ajudam a contar a história da própria Débora e do ambiente em que cresceu – ainda que, ela diz, não tenha sido essa a sua intenção.

"Usei animais para mostrar como eles se sentem na própria pele", explica a autora. Para ela, as histórias mostram exatamente o que ali está escrito. Em Passarinho de Asa Quebrada Também Voa, por exemplo, ela fala sobre um pássaro que depois de quebrar a asa não consegue acompanhar o bando, que questiona se o amigo não estaria mais seguro se ficasse numa gaiola. A garota que mora na fazenda onde Débora situa suas fábulas entra em ação e pede aos passarinhos que aceitem o jeito dele, já que ele é capaz de chegar no mesmo lugar, mas um pouco depois. Resultado: eles ficam envergonhados pela proposta que fizeram e alguns passam a voar mais atrás, fazendo companhia para o amigo de uma asa só. "Quis mostrar que tem que incluir", comenta.

Nos seus 32 anos, Débora passou, firme, por poucas e boas e sabe o valor de uma boa amizade e de ser aceita num grupo. Ela nasceu com síndrome de Down numa época em que seus portadores eram conhecidos pejorativamente como mongoloides. Foi rejeitada, e depois amada. Fez parte da primeira geração estimulada precocemente. Estudou em escola regular. Em alguns momentos, foi discriminada e excluída, mas nunca abaixou a cabeça. Conquistou o respeito, bons amigos e seu espaço na sociedade. Sua determinação a levou ao curso de magistério, e ela se tornou a primeira brasileira com a síndrome a se formar na profissão. Tudo em seu ritmo, com suas próprias pernas, o empurrão da família, o olhar sempre adiante e disposição para realizar novos sonhos.

Na ficção ou na vida real, o que Débora nos conta é uma história de aceitação e de inclusão. Seu livro não traz simples fábulas com uma moral no final. É diferente. Bonito e gracioso. É a expressão do que ela sente na própria pele, para usar suas palavras, e mesmo que ela não consiga simbolizar isso é a expressão de sua postura diante da vida.

Débora Conta Histórias, com ilustrações de Bruna Assis Brasil, tem tudo para ser adotado em escolas e os convites para que a autora participe de feiras e eventos literários já estão chegando. É o começo de uma nova carreira, que ela terá de conciliar com sua rotina profissional. Há nove anos, é professora auxiliar na Escola Doméstica, em Natal. "É uma experiência riquíssima para mim", diz, sobre seu trabalho. Hoje, acompanha crianças entre seis e sete anos – são seus alunos mais velhos –, mas já teve turmas de diversas faixas etárias. "Gostei mais de trabalhar com crianças de três e quatro anos, mas não faço diferença." Não faz mesmo, de nada. É firme em seus princípios e não tolera injustiça e discriminação.

Quando soube que dois amigos de sua mãe eram um casal, disse a eles que ficava feliz, mas que tinham de estar preparados porque poderiam sofrer preconceito. A homenagem ao casal está no livro, em O Pato Que Não Queria Namorar Com a Pata.

A obra foi escrita despretensiosamente, às escondidas. Foi um presente de Natal de Débora aos pais. A versão em sulfite e espiral circulou pela festa da família até chegar às mãos de um amigo, que se ofereceu em levar o volume para a Saraiva, que editava suas obras de Direito. Dias depois veio a resposta negativa. Foi feita uma nova edição caseira mais profissional que a apostila, mas a advogada Margarida já estava convencida de que valia a pena lutar por mais essa causa da filha.

Este não foi o primeiro livro escrito por Débora. Margarida comenta que todos os portadores de síndrome de Down, quando chegam a uma maturidade, querem contar sua história. "Débora fez isso e seu relato ficou restrito à nossa família. Mas este é diferente." Depois de muito relutar, perguntou se um amigo escritor não daria uma olhada e, se gostasse, se não mandaria para sua editora. O livro chegou então até Roberto Feith, presidente do grupo Objetiva, que topou a edição no mesmo dia. "O que me chamou atenção foi o encanto da história contada por Débora e o exemplo de valor que ela personifica na forma de viver", diz Feith, agora que os 3.500 exemplares da primeira tiragem estão nas livrarias. Uma grande festa de lançamento está marcada para o dia 5 de setembro, em Natal, e Débora, farrista como se apresenta, está animadíssima com os preparativos.

O amigo que deu o pontapé inicial na edição prefere ficar no anonimato. E o primeiro livro publicado de Débora vem com o endosso de João Ubaldo Ribeiro, prêmio Camões e cronista do Caderno 2. "Raramente me emocionei tanto quanto ao ler pela primeira vez as histórias criadas por Débora", escreve.

Ela já trabalha num novo livro, que tratará de sua experiência profissional. No entanto, não tem grandes aspirações literárias. Prefere ler histórias para seus alunos do que inventá-las na hora. Mas tem aspirações artísticas. Em casa, sempre teve contato com literatura, música erudita e outras formas de arte. Mas foi com o teatro que encontrou a melhor forma de se expressar. Para voltar aos palcos, depende da reabertura do Centro Experimental de Formação e Pesquisa Teatral. É sua nova bandeira.



DÉBORA CONTA HISTÓRIAS
Autora: Débora Araújo Seabra de Moura
Editora: Alfaguara (32 págs., R$ 34,90)



TRECHOS

Passarinho Com Asa Quebrada Também Voa

"Um dia desses, a menina Sandra foi passear pela fazenda e encontrou um passarinho perdido.

Ele estava com uma asa quebrada e gemia muito. Então, ela pegou o passarinho, levou-o com carinho para casa e fez um curativo em sua asa. Quando o passarinho se curou, ficou voando com uma asa só. A menina Sandra ficou triste quando ele foi embora, mas ela sabia que o passarinho tinha o direito de se libertar para fazer parte da natureza, cuidar da sua vida.

Só que o passarinho gostou da fazenda, da menina Sandra e dos seus amigos. Ele sentiu saudades e voltou."



O Pato Que Não Queria Namorar Com a Pata

"Um pato gostava de namorar outro pato. Ele gostava dele, por isso, ele era discriminado pelos outros animais, pois existe a lei dos patos na fazenda.

Os pais do pato reagiram e falaram:

- Meu filho, por que você está namorando um pato e não uma pata?

Aí ele falou:

- Eu decidi namorar outro pato.

Então, os pais dos patos decidiram fazer o seminário Novos Arranjos Familiares dos Patos."

O eleito da Academia

Atualizado: 18/07/2013 03:03 | Por ANTONIO GONÇALVES FILHO, estadao.com.br

O escritor e crítico Silviano Santiago recebe hoje o prêmio Machado de Assis


Aos 76 anos, o crítico, ensaísta e romancista mineiro Silviano Santiago atinge a plenitude. Hoje, às 17 horas, ele recebe da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. Simultaneamente, a Editora Rocco lança Aos Sábados, Pela Manhã, reunião de 71 textos retirados da coluna que o escritor assinou por três anos no caderno Sabático. E, no dia 5, Santiago recebe ainda o título de doutor honoris causa pela Universidade do Chile - e na área de artes visuais.
Santiago, nesta entrevista, fala justamente da inserção da arte brasileira no mundo globalizado, de cosmopolitismo, da influência do historiador Aby Warburg e do filósofo Jacques Derrida em sua formação, além de comentar um dos melhores textos publicados em sua coluna, Sobrevivência de Vaga-lumes.
O cosmopolitismo norteou sua coluna no Sabático desde o início. Como seus leitores viam esse internacionalismo?
Esclareço antes: não data do novo milênio minha preferência pelo cosmopolitismo em arte. O leitor de hoje talvez conheça o ensaio O Entre-lugar do Discurso Latino-Americano, escrito em 1971, hoje no volume Uma Literatura nos Trópicos. Inspirado pelo prefácio de Antonio Candido à Formação da Literatura Brasileira (então minha referência), quis mostrar que tínhamos de compreender a produção nacional a partir da literatura comparada, desde que pensada com a ajuda das então recentes teorias pós-coloniais. Não há nas colunas ausência da contribuição nacional e menos ainda razão extemporânea para a discórdia ou a concórdia por parte do leitor. Lá trabalhei nova e terceira faceta do cosmopolitismo. A da "inserção" da arte brasileira no mundo globalizado, de que foi primeiro e genial exemplo Hélio Oiticica.
O papel de Aby Warburg em sua formação é inegável. O que Warburg tinha como historiador que os contemporâneos não têm?
Como Jacques Derrida e antes dele, Warburg é historiador que pensa menos o conceito que a diferença. De que forma? A história da arte é o tabuleiro de xadrez. A descrição do "movimento" das peças é tarefa da escrita em palavras e em imagens, a que se propõe o historiador de arte moderno. Warburg se interessa pelos movimentos da rainha e do rei. Gosta também de examinar as agitações da torre e dos bispos, sem descurar dos múltiplos e anônimos peões que apoiam a uns e outros. Vale dizer: Warburg transita com galhardia entre a cultura erudita e a popular, entre gregos e latinos, entre florentinos e indígenas do Novo Mundo. Percebe a estabilidade e a instabilidade do movimento que torna universal formações artísticas que, se providas de motor de arranque, se expressam pela diferença.
Uma de suas colunas, Sobrevivência de Vaga-Lumes, faz referência a Didi-Huberman, mas também a um belo texto de Pasolini que lamenta o desaparecimento de pirilampos na Itália industrializada dos anos 1970, uma crônica poética sobre a agonia de uma cultura. Como você vê essa profecia pasoliniana em relação ao Brasil?

A coluna faz também alusão ao conto de Guimarães Rosa, As Margens da Alegria, que narra a viagem de um garoto à cidade de Brasília em construção. Na capital imaginada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, a criança deslumbrada descobre a mata destruída pelos tratores e a construção em concreto da cidade. Já no quintal da casa dos tios, o menino vê surgir um belíssimo peru. A ave perambula entre as árvores abatidas e o concreto erguido. O menino se extasia. No entanto, o peru será alimento para o jantar em família. Ao cair da noite, querendo tornar eterna a experiência do Belo, o menino volta ao quintal para rever o peru. Tinha desaparecido. Em seu lugar, a cabeça degolada, atirada pela cozinheira. E pior: a cabeça está sendo bicada por uma duplicata do peru, farsa da ave magnífica entrevista pela manhã. No mundo em trevas, a criança levanta os olhos e vê o pisca-pisca do vaga-lume. Escreve Guimarães Rosa: "De novo, a alegria". No conto de Rosa estão o Brasil e seu futuro, as luzes e trevas da modernidade, morte e vida, beleza e crueldade, a fome humana e os animais, a natureza destruída e a cidade em concreto, os vaga-lumes de Pasolini e de Didi-Huberman, enfim, o Brasil a se inserir no universo da moderna teoria filosófica...

O último volume de Em Busca do Tempo Perdido acaba de ser lançado pela Editora Globo. Estou certo que você escreveria um texto sobre ele em sua coluna, se o 'Sabático' ainda existisse, ampliando a discussão do texto Atualidade de Proust, em que você comenta O Tempo Redescoberto filmado por Raul Ruiz. Qual seria a principal contribuição de Proust para a modernidade?
Não cabe numa coluna (numa entrevista) a discussão sobre a contribuição de Marcel Proust para a modernidade. Já se disse que Karl Marx é nosso horizonte intransponível. Pode-se dizer que Proust e James Joyce são nosso horizonte incontornável. Grandes pensadores dedicaram estudo, imaginação e reflexão a eles. Antes de mais nada, a coluna literária é exercício de discrição. No caso das obras notáveis, a atitude mais conveniente - segundo minha perspectiva, claro - é a de se colar a um estudo clássico ou em vias de se tornar clássico, ser temporariamente parasita e anônimo, a fim de que, por interposta pessoa e leitura, possamos nos aproximar da amplidão da obra notável. Despertamos no leitor a curiosidade para ir tanto ao original quanto às suas interpretações. Original e interpretações têm a riqueza e a complexidade que a discrição pode apenas apontar. Nas colunas bebi de um estudo que me pareceu contribuição corajosa e atual. Refiro-me ao ensaio Proust's lesbianism, da professora Elisabeth Ladenson (Columbia University), já traduzido ao francês e prefaciado por ninguém menos que Antoine Compagnon, professor do Collège de France. Interessou-me também mostrar que os críticos de cinema, se leitores de Ladenson, poderiam talvez escrever ensaio sobre o filme de Raúl Ruiz mais afinado com a atualidade das pesquisas sobre gender (orientação sexual).
Sua coluna recolocava em cena nomes fundamentais da literatura hoje um pouco esquecidos, entre eles o do poeta português Camilo Pessanha. Como entender a crítica brasileira que, sempre atrás de novidades, esquece a contribuição de nomes como o de Pessanha e do poeta Rui Knopfli, também citado em seu livro? Existiria um espírito de confraria entre os críticos que só dá visibilidade ao contemporâneo?
Não é gratuita a presença na coluna do italiano Giorgio Agamben. Lá está sua contribuição ao que julgamos ser hoje "o contemporâneo". O artista não se torna contemporâneo por coincidir com seu tempo, ou por reproduzir a si como imitação ou cópia da situação que o cidadão vive no cotidiano. Paradoxalmente, ele é contemporâneo ao instaurar um deslocamento espacial entre ele e a atualidade. Trazer Camilo Pessanha, o poeta lírico anti-imperial, mais corajoso que o colonialista Camões e o Pessoa defensor do Quinto Império, trazer Pessanha, exilado em Macau e opiômano, ou Rui Knopfli, poeta moçambicano a ler Manuel Bandeira e T. S. Eliot no exílio londrino, é mostrar formas profundas da nossa contemporaneidade. No espaço/tempo intervalar é que melhor nos qualificamos para avaliar a contemporaneidade. Paradoxalmente.
Ao escrever sobre arte contemporânea, você cita o livro Under Blue Cup, de Rosalind Krausz, lançado há dois anos. Ela, como você mesmo lembra, fez oposição ao "espetáculo" de meretrício artístico chamado instalação, investindo contra Catherine David e companhia. Como você vê a produção artística contemporânea brasileira e quem são os artistas que você colocaria numa lista de nomes essenciais no cenário brasileiro?
Se me permite uma metáfora, a movimentação do colunista no jornal tem a ver com o rodízio entre jogadores de voleibol, esporte a que me dediquei na juventude atleticana. Às vezes, o colunista saca para derrubar o adversário, às vezes levanta a bola para o colega, às vezes defende-a com garra e a passa modestamente para outro jogador brilhar na rede. O colunista só raramente corta. A coluna - a meu ver, é bom frisar - não tem a competência do julgamento peremptório, tarefa a que se dedica a "resenha", escrita no momento quente da recepção, ou o "ensaio", escrito no momento em que a obra já está apta a despertar a reflexão do estudioso, ou do especialista. Acrescento que as artes plásticas brasileiras conhecem um tempo de núpcias com o melhor da crítica nacional e internacional. Pobre literatura ou teatro ou cinema, em comparação. Dentro da tradição, destaco Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape. Na festa do presente, figuras como Carlos Vergara, Adriana Varejão e Rosângela Rennó. O futuro pertence ainda ao campo das resenhas e das bienais.
Você recebe nesta quinta o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. Você poderia dizer o que ele representa para você?
Já falei demais. Serei simples e direto. Feliz aquele que tem como padrinho quem mais admira.

AOS SÁBADOS, PELA MANHÃ
Autor: Silviano Santiago
Editora: Rocco (320 págs., R$ 36,50)

Com amor, Lygia

Atualizado: 20/07/2013 01:03 | Por Sonia Racy, estadao.com.br

A grande Lygia Fagundes Telles será homenageada na Bienal do Livro do Rio. No dia 7 de setembro, a mesa Para Lygia, com amor reunirá Regina Braga, atriz, e a escritora Rosiska Darcy em uma leitura afetiva da obra da autora - que completou 90 anos em 2013.

Entrevista com Lygia Fagundes Telles vai ao ar na 'Rádio Estadão'

Atualizado: 16/08/2013 20:02 | Por Ubiratan Brasil, estadao.com.br

No programa, que vai ao ar no sábado (17), com reprise no domingo (18), escritora fala de sua vitoriosa trajetória e de assuntos pessoais


Lygia Fagundes Telles sempre valorizou a palavra. A escrita ajudou-a a se tornar uma das principais autoras da literatura brasileira. Já a falada transforma suas entrevistas em deliciosas conversas. É o que se poderá notar neste sábado, a partir das 17h30, quando começa o programa Grandes Brasileiros, da Rádio Estadão, comandado por Haisem Abaki.

Em entrevista concedida nos estúdios da rádio, no edifício sede do Estado, Lygia falou sobre assuntos diversos. Relembrou, por exemplo, de quando começou a escrever e de sua passagem pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde era uma das raras alunas.

Lygia lembrou também com carinho do filho Goffredo, já falecido: "Tenho saudades do meu filho, que era um cineasta maravilhoso. Agora, é minha neta quem cuida da obra dele". Durante uma hora de bate-papo, a escritora também contou que ainda usa máquina de escrever para registrar seus textos, mas que adora escrever à mão.

Fiel defensora da literatura nacional, ela não escondeu sua revolta por não encontrar mais autores nacionais na lista dos mais vendidos. "É preciso ler mais Machado de Assis", ensina.

A atração vai ao ar neste sábado (17) e será reprisada domingo (18), a partir das 8 h. A transmissão poderá ser ouvida em FM (92,9) e AM (700) e também acompanhada pela internet, no site da emissora (www.radio.estadao.com.br) ou na fanpage (www.facebook.com/RadioEstadao).

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Livro tenta desvendar transição de Machado de 'Iaiá Garcia' para 'Brás Cubas'


Por José Luiz Passos - Especial para o Estado de estadao.com.br

 O sucesso de Eça de Queirós é tido por Castro Rocha como fundamental na transformação da escrita do autor brasileiro

Reprodução

"O escritor Machado de Assis"

Invulgar e provocador como de costume, João Cezar de Castro Rocha nos propõe em Machado de Assis: Por Uma Poética da Emulação o esclarecimento de um mistério. Como o Machadinho ordeiro e bem-comportado de Iaiá Garcia (1878) passou a Machadão, autor de Brás Cubas (1880)? A hipótese que o crítico lança é fascinante.

É comum dividirmos a obra de Machado em duas fases, e explicarmos a primeira em função da segunda. Por exemplo, no que se refere à temática dos ciúmes, tão presente no autor, Ressurreição (1872) muitas vezes é tomado como ensaio para o adensamento moral mais ambíguo e socialmente crítico que se encontra em Dom Casmurro (1899). Segundo João Cezar, essa operação é falaciosa: na primeira fase, "o ponto de vista machadiano era esteticamente tradicional e moralmente conservador". Não se trata do aperfeiçoamento de uma fórmula, mas da adoção de um modelo distinto de fazer literatura, calcado na crise de um autor que se sonda diante de um rival contemporâneo e, aparentemente, mais forte. Eis, aqui, o fator Eça de Queirós.

Os dois textos de Machado sobre os primeiros romances de Eça são, em geral, tomados como o ponto alto da sua crítica literária; mas, de acordo com o crítico, eles representam a perspectiva que o próprio Machado deixaria para trás. Na virada para os anos 1880, ambos os escritores reconsideraram suas carreiras, optando por um modo irônico de construção da narrativa e por um diálogo mais direto com fontes distantes das práticas vigentes. Nessa adoção de um "anacronismo deliberado" estaria a vigorosa reinvenção de Machado, que soube refazer-se, lançando mão de uma poética da emulação.

A poética da emulação consiste em um gesto de leitura e adaptação criativa de práticas retóricas abandonadas a partir do romantismo: "Partindo-se da imitação de um modelo considerado autoridade num determinado gênero, busca-se emular esse modelo produzindo uma diferença em relação a ele". João Cezar não é o primeiro a argumentar que o diálogo de Machado com autores e tradições diversas responde em parte pela novidade de um forma narrativa mais plástica, evidente a partir das Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Na proposta de um "retorno ao texto", o crítico realiza uma leitura cruzada, no vaivém do tempo, em busca de convergências entre contos, crônicas, peças de crítica, teatro e romance. Tal proposta evita sutilmente o confronto direto com a copiosa fortuna crítica sobre o autor, ao mesmo tempo em que constrói argumento elegante para expor suas diferenças. É curioso que alguns dos comentadores das mesmas questões ocupem o espaço das epígrafes, na abertura de cada uma das sete partes do livro. Aplicada ao texto do próprio crítico, a teoria da emulação revela um gesto irônico. Algumas das teses expostas foram debatidas por outros, sem que estes sejam referidos diretamente como participantes no debate. A presença estrutural do narrador volúvel, em Roberto Schwarz; a função da leitura e dos leitores na construção da assinatura machadiana, em Hélio de Seixas Guimarães; as figurações da chamada forma shandiana, em Sérgio Paulo Rouanet; o complexo jogo do intertexto estrangeiro, mapeado por Marta de Senna, entre outras interpretações, são postas em suspenso, a fim de que o texto de Machado compareça reapresentado pelos nexos de uma poética da emulação.

Na primeira fase, João Cezar identifica um narrador que "sabe tudo" e dita ao leitor o que pensar; já na transição para a maturidade, as narrativas são marcadas por maior abertura de sentido, aceitando a dúvida e convidando o leitor a comparecer com o juízo. A análise dos procedimentos de emulação pós-1878 leva o crítico a interpretar uma grande variedade de estratégias. O livro se adensa e ganha interesse. A divergência entre os autores transforma-se em método, e, afinal, a poética da emulação assume uma dimensão propriamente política: a cópia, em sistemas marginais, pode se constituir em desafio a modelos hegemônicos e fomento de respostas originais. Na consideração de paralelos com o cânone estrangeiro, além de obras de outros campos, a contribuição de João Cezar de Castro Rocha impressiona pela amplitude das questões abordadas.

Por Uma Poética da Emulação é livro erudito e variado. Desconfio: machadianos de carteirinha poderão torcer o nariz. Porém, o leitor encontrará aí um argumento original e instigante, devido, em parte, à própria fascinação de se desvendar um autor na verve das suas reinvenções. E sabe-se que a fascinação é muitas vezes toda a verdade.

MACHADO DE ASSIS

Ed.: Civilização Brasileira (366 págs., R$ 40)

Lançamento: Sexta (16), 19 h, no Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664). Debate do autor com Luiz Ruffato e Evando Nascimento

JOSÉ LUIZ PASSOS É PROFESSOR TITULAR DE LITERATURA BRASILEIRA NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA E AUTOR DE MACHADO DE ASSIS, O ROMANCE COM PESSOAS (EDUSP)

domingo, 4 de agosto de 2013

Pirateiem meus livros



artigo publicado em 29 de maio 2011 no jornal Folha de São Paulo

Em meados do século 20, começaram a circular na antiga União Soviética vários livros mimeografados questionando o sistema político. Seus autores jamais ganharam um centavo de direitos autorais.
Pelo contrário: foram perseguidos, desmoralizados na imprensa oficial, exilados para os famosos gulags na Sibéria. Mesmo assim, continuaram escrevendo.
Por quê? Porque precisavam dividir o que sentiam. Dos Evangelhos aos manifestos políticos, a literatura permitiu que ideias pudessem viajar e, eventualmente, transformar o mundo.
Nada contra ganhar dinheiro com livros: eu vivo disso. Mas o que ocorre no presente? A indústria se mobiliza para aprovar leis contra a “pirataria intelectual”. Dependendo do país, o “pirata” -ou seja, aquele que está propagando arte na rede- poderá terminar na cadeia.
E eu com isso? Como autor, deveria estar defendendo a “propriedade intelectual”. Mas não estou. Piratas do mundo, uni-vos e pirateiem tudo que escrevi!
A época jurássica, em que uma ideia tinha dono, desapareceu para sempre. Primeiro, porque tudo que o mundo faz é reciclar os mesmos quatro temas: uma história de amor a dois, um triângulo amoroso, a luta pelo poder e a narração de uma viagem. Segundo, porque quem escreve deseja ser lido -em um jornal, em um blog, em um panfleto, em um muro.
Quanto mais escutamos uma canção no rádio, mais temos vontade de comprar o CD. Isso funciona também para a literatura: quanto mais gente “piratear” um livro, melhor. Se gostou do começo, irá comprá-lo no dia seguinte -já que não há nada mais cansativo que ler longos textos em tela de computador.

1 – Algumas pessoas dirão: você é rico o bastante para permitir que seus textos sejam divulgados livremente.
É verdade: sou rico. Mas foi a vontade de ganhar dinheiro que me levou a escrever?
Não. Minha família, meus professores, todos diziam que a profissão de escritor não tinha futuro. Comecei a escrever -e continuo escrevendo- porque me dá prazer e porque justifica minha existência. Se dinheiro fosse o motivo, já podia ter parado de escrever e de aturar as invariáveis críticas negativas.

2 – A indústria dirá: artistas não podem sobreviver se não forem pagos.

A vantagem da internet é a divulgação gratuita do seu trabalho.
Em 1999, quando fui publicado pela primeira vez na Rússia (tiragem de 3.000 exemplares), o país logo enfrentou uma crise de fornecimento de papel. Por acaso, descobri uma edição “pirata” de “O Alquimista” e postei na minha página. Um ano depois, a crise já solucionada, eu vendia 10 mil cópias.
Chegamos a 2002 com 1 milhão de cópias; hoje, tenho mais de 12 milhões de livros naquele país.
Quando cruzei a Rússia de trem, encontrei várias pessoas que diziam ter tido o primeiro contato com meu trabalho por meio daquela cópia “pirata” na minha página.
Hoje, mantenho o “Pirate Coelho”, colocando endereços (URLs) de livros meus que estão em sites de compartilhamento de arquivos. E minhas vendagens só fazem crescer -cerca de 140 milhões de exemplares no mundo.
Quando você come uma laranja, precisa voltar para comprar outra. Nesse caso, faz sentido cobrar no momento da venda do produto.
No caso da arte, você não está comprando papel, tinta, pincel, tela ou notas musicais, mas, sim, a ideia que nasce da combinação desses produtos.
A “pirataria” é o seu primeiro contato com o trabalho do artista.
Se a ideia for boa, você gostará de tê-la em sua casa; uma ideia consistente não precisa de proteção.
O resto é ganância ou ignorância.
_________________
PAULO COELHO , escritor e compositor, é membro da Academia Brasileira de Letras. É autor de, entre outros livros, “O Alquimista” e “A Bruxa de Portobello”.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Em breve!



Ler e escrever na era digital



A transição para a era digital é a mais radical transformação da nossa história intelectual desde a invenção do alfabeto grego. Sim, o momento é histórico: há mudanças profundas na leitura, na escrita - e talvez até dentro do cérebro humano.

Revista Veja - por André Petry

Sócrates. o homem mais sábio de todos os tempos, estava enganado. Com a genial in­venção das vogais no alfabeto grego, a escrita estava se dis­seminando pela Grécia antiga - e Sócrates temia um desastre. Apre­ciador da linguagem oral, achava que só o diálogo, a retórica, o discurso, só a pa­lavra falada estimulava o questionamen­to e a memória, os únicos caminhos que conduziam ao conhecimento profundo, à sabedoria. Temia que os jovens atenien­ses, com o recurso fácil da escrita e da leitura, deixassem de exercitar a memó­ria e, como a palavra escrita não fala, perdessem o hábito de questionar. Sua mais conhecida diatribe contra a escrita está em Fedro, de Platão, seu fiel segui­dor. Ali, Sócrates diz que a escrita daria aos discípulos "não a verdade, mas a aparência de verdade". O grande filósofo intuiu que a transição da linguagem oral para a escrita seria uma revolução. Foi mesmo, só que numa direção promisso­ra. Permitiu o mais esplêndido salto inte­lectual da civilização ocidental.

Agora, 2500 anos depois, estamos às voltas com outra transição revolucio­nária. Da cultura escrita para a digital, há uma mudança de fundamento como não ocorre há milênios. A forma física que o texto adquire num papiro de 3000 anos antes de Cristo ou numa folha de papel da semana passada não é essen­cialmente distinta. Nos dois casos, exis­tem enormes diferenças de qualidade e clareza, mas é sempre tinta sobre uma superfície maleável. Na era digital, a mudança é radical. O livro eletrônico oferece uma experiência visual e tátil inteiramente diversa. É uma outra for­ma. Como diz o francês Roger Chartier, professor do College de France e espe­cialista na história do livro, "a forma afeta o conteúdo". A era digital, sustenta ele, nos fará desenvolver uma nova rela­ção com a palavra escrita. Para a neuro­cientista Maryanne Wolf, amora de Prousr e a Lula, um livraço sobre o im­pacto da leitura no cérebro, o momento atual é tão singular quanto o da Grécia: "Como os gregos antigos, vivemos uma transição dramaticamente importante ­ no nosso caso, de uma cultura escrita para uma cultura mais digital e visual".

Há séculos que. depois da argila, do papiro e do pergaminho, a humanidade transmite conhecimento no papel. Dos livros manuscritos pelos monges me­dievais à página enviada por fax, era sempre papel. Lentamente, escrita e leitura passaram a se dar através de telas de vidro - mais propriamente de cris­tal líquido, de diodos emissores de luz. Começaram a sair livros para leitrura em palmtop, ainda nos anos 90, quando já era possível lê-los no computador e em laptop. Depois vieram os smartphones. Por fim, os tablets e os leitores eletrôni­cos. Desses que acabam de chegar ao mercado brasileiro: Kobo, Kindle, Goo­gle Play. Nos países ricos, a transição está mais avançada. Desde o ano passa­do, a Amazon, um mamute do varejo on-line, já vende mais livros digitais do que livros físicos no mercado america­no. Na Inglaterra, a virada aconteceu em agosto, em grande parte em razão da acolhida estrondosa de Cinquenta Tons de Cinza. de E.L. James, que vendeu 2 milhões de exemplares eletrônicos em quatro meses. Na Alemanha, o ano de­verá fechar com a venda de 800000 lei­tores eletrônicos e tablets, o triplo em relação a 2011. Sob qualquer ângulo que se examine o cenário. é um momento histórico. Fazia mais de quatro milênios, desde que os gregos criaram as vogais - o "aleph' semítico era uma consoante, que virou o "alfa" dos gregos e depois o "a" do nosso alfabeto latino -, que o ato de ler e escrever não sofria tamanho impacto cognitivo. Ha­via mais de cinco séculos, desde os ti­pos móveis de Gutenberg, o livro não recebia intervenção tecnológica tão significativa.

Na era do pós-papel, a leitura, antes um aro solitário por excelência, está vi­rando outra coisa. O Kindle, da Amazon, tem um dispositivo que exibe os trechos do livro sublinhados por outros leitores. Informa até quantos o fizeram. Em Me­mórias Póstumas de Brás Cubas, de Ma­chado de Assis, por exemplo, cinco leito­res assinalaram uma frase do probo Jacó que não era Medeiros, nem Valadares ou Rodrigues, era Tavares, na qual ele se desculpa por mentir porque "a paz das cidades só se podia obter à custa de em­baçadelas recíprocas". Logo será possí­vel entrar em contato com esses leitores, mandar-Ihes um e-mail. O pesquisador Bob Stein, fundador de uma entidade que estuda o futuro do livro, diz que a leitura solitária será substituída por uma atividade comunitária eletronicamente conectada. É o que ele chama de "leitura e escrita sociais".

Já existem "livros enriquecidos", que trazem trilha sonora, vídeos e fotogra­fias, novidades já disponíveis no Brasil. Na Inglaterra, a edição enriquecida de Aventuras de Sherlock Holmes emite sons - gritos, trovões, ventos uivantes - à medida que o leitor avança nas pági­nas. Tudo é acionado automaticamente. Uma edição de On the Road (Na Estra­da), clássico de Jack Kerouac, traz mapa, biografias, fotos e um áudio de quase de­zessete minutos do autor lendo um tre­cho do livro, de origem até hoje desco­nhecida. É um aplicativo para tablet. A "versão enriquecida" de um livro é uma tolice para quem arar as 1500 páginas de Guerra e Paz, mas é excelente como ma­terial de pesquisa, fonte documental.

Até os segredos da leitura, antes in­devassáveis na mente do leitor, agora es­tão sendo revelados. Amazon, Apple e Google espiam o leitor a qualquer hora. Sabem quantas páginas foram lidas, o tempo consumido, os títulos preferidos. A Bames & Noble, a maior cadeia de li­vrarias dos Estados Unidos, analisando dados colhidos pelo seu leitor eletrônico, O Nook, descobriu que livros de não ficção são lidos de modo intermitente. Os romances, não. Leitores de policiais são mais rápidos que os de ficção literária. São informações, impensáveis no mundo do papel, que revelam hábitos de lei­tura e vão abastecer as editoras para atender ao gosto do público. Nos EUA, já existe um movimento de "proteção da privacidade do leitor", destinado a disci­plinar ate onde as editoras podem ir. No tempo do papel - é ainda o tempo de hoje, mas é cada vez mais um tempo passado - a  única forma de espiar a mente de um leitor era por meio da leitu­ra furtiva de uma anotação manuscrita na margem da página de um livro perdido num sebo. Parece que faz décadas.

O ofício do escritor - pelo menos daquele escritor que está abaixo dos pa­lhaços mas acima das focas amestradas, como diria John Steinbeck - também passa por uma metamorfose. Há edito­ras que já testam livros digitalmente an­tes de lançar a versão impressa. A Sour­cebooks, de Chicago, divulga a edição preliminar on-line e pede sugestões aos leitores, as quais os autores, às vezes, incorporam à versão impressa. A Coli­loquy, criada há um ano, é uma editora digital cuja proposta são livros coleti­vos, ou "sociais". Os leitores sugerem personagens e tramas, as preferências são enviadas ao autor (ou autores), que adapta o texto ao gosto da maioria. Os leitores palpitam até sobre a aparência dos personagens - cor dos olhos, dos cabelos, porre físico. O site da Colilo­quy diz que "o resultado é uma expe­riência narrativa incrivelmente fluida e imersiva". É um self-service literário. Daí não se espera nenhuma obra-prima, mas quem sabe? Bernard Shaw dizia que "a estrada da ignorância é pavimen­tada de bons editores".

A escrita no universo on-line é o pró­prio portal da estrada da ignorância, com pontuação de Murphy, siglas leporídeas, exclamações pandêmicas!!! Tudo num patoá onomatopeico de hehehes e rã-rã­-rás enfatizado por LETRAS GRANDO­NAS ASSIM. O pior talvez sejam os textos sem carnavalização gráfica. "O texto no computador fica limpo, organizado, justificado", alerta o professor Ro­bert Damton, da Universidade Harvard, respeitado historiador cultural. "Fica tão bem que parece dispensar revisão e pode ser despachado com um clique. Frequen­temente o é, para desgraça de quem pre­za a clareza e o estilo." A escrita, qual­quer escrita, floresce no mundo digital, mas a leitura, a boa leitura, murcha.

"Nunca escrevemos tanto", diz a profes­sora Helen Sword, estudiosa da escrita digital na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, "O lado negativo é que muitos habitantes do maravilhoso mun­do digital perderam, ou nunca tiveram, a habilidade de escrever uma prosa com estilo, bem estruturada," (Helen conta - com es­panto - que já viu sua fi­lha, universitária de 21 anos, lendo Orgulho e Pre­conceito, de Jane Austen, num iPod Touch.)

Para desconforto dos escritores, a vida digital é veloz. Uma história preci­sa causar impacto na lar­gada. "Tem de ter sangue na parede já no fim do segundo parágrafo", diz Lev Grossman, crítico literário da Time. Amores de suspense e mistério estão sendo duramente exigidos. Antes, um título por ano estava de bom tamanho. Agora, as editoras acham pouco. Ninguém precisa ser uma pororoca co­mo o americano James Patterson (um livro por mês, 260 milhões de exempla­res vendidos), mas não se pode mais fi­car longe do mercado por muito tempo.

A americana Lisa Scottoline, autora de treze best-sellers, agora lança dois títu­los anuais. Para tanto, entrou em regime de escravidão. Escreve 2000 palavras por dia, trabalha da manhã à noite e não folga nos fins de semana.

Jonathan Franzen, o romancista americano mais festejado da atualidade, tem horror a livros digitais. Diz que são qualquer coisa, menos livros. "Palavras são palavras", discorda Scott Turow, autor de thrillers jurídicos que ocupam o topo das vendas. "Não sou senti­mental em relação ao pa­pel." Turow tem problema na coluna. Adora não ter de carregar livros pesados. Mas, como presidente da Authors Guild, a mais anti­ga entidade de escritores profissionais dos EUA, Turow está carregando um piano. Critica a pressão pela redução da remunera­ção dos autores no formato digital e acusa a Amazon de "prática predatória", ao vender livro virtual abaixo do custo pa­ra matar livrarias concorrentes e domi­nar o mercado digital.

A invenção dos tablets e leitores ele­trônicos é espetacular. Eles são fáceis de carregar, têm memória para mais de 1 000 livros, baterias que duram ho­ras. A cada novo lança­mento, ficam mais legí­veis. Na tela de um iPad um livro de arte é uma arte, com cores vivas, ni­tidez perfeita. Mas, tal como Sócrates, os estu­diosos do nosso tempo estão preocupados com o impacto do mundo digi­tal na cultura. Um dos primeiros a chamar aten­ção para a deterioração da qualidade da leitura foi o critico literário Sven Birkerts, ainda na década de 90. Birkens percebeu que seus alu­nos, às voltas com aparelhos eletrônicos, não conseguiam ler um romance com paciência e concentração. É fundamental que as novas gerações educadas no di­gital sejam capazes de ler bem, ler para imaginar, para refletir e - eis o apogeu e a glória da leitura - para pen­sar seus próprios pen­samentos.

O temor é que o uni­verso digital, com abun­dância de informações e íntermináveis estímu­los visuais e sonoros, roube dos jovens a leitura profunda, a capaci­dade de entrar no que o grande filósofo Walter Benjamim chamou de "silêncio exigente do li­vro". Durante séculos, os livros impressos fo­ram aperfeiçoados para favorecer a imersão. O tipo de letra, o entreli­nhamemo, os espaços em branco - tudo feito como um delicado 'con­vite à leitura. São as­pectos relevantes para quem lê e para quem escreve. John Updike achava que seus livros só faziam sentido se impressos em determinada fonte - a Janson. A leitura on-line, de resolução imprecisa, luminosidade excessiva e cri­vada de penduricalhos piscantes, é só distração. Os leitores eletrônicos estão corrigindo boa parte dessas imperfei­ções, mas ainda têm longo caminho a percorrer. Estudo feito pelo professor Terje Hillesund, da Universidade de Sra­vanger, na Noruega, mostra que, durante uma leitura reflexiva, as pessoas gostam de manter os dedos entre as páginas, co­mo que segurando uma ideia de páginas atrás, para revisitá-la quando quiserem. Intangível e volátil, o livro digital, neste aspecto, é uma nulidade (por enquanto).

Leitura profunda não é esnobismo intelectual. E por meio dela que o cére­bro cria poderosos circuitos neuronais. "O homem nasce geneticamente pronto para ver e para falar, mas não para ler. Ler não é natural. É uma invenção cultural que precisa ser ensinada ao cérebro", explica a neurocientista Maryanne Wolf. Para tanto, o cérebro tem de conectar os neurônios responsáveis pela visão, pela linguagem e pelo conceito. Em suma, precisa redesenhar a estrutura interna, segundo suas circunstâncias. Um cérebro reorganizado para ler caracteres chineses ativa áreas que jamais são usadas por um cérebro educado para ler no alfa­beto latino do português. O fascinante é que, ao criar novos caminhos neuronais, o cérebro expande sua capacidade de pensar, multiplicando ali possibilidades intelectuais - o que, por sua vez, ajuda a expandir ainda mais a capacidade de pensar, numa esplêndida dialética em que o cérebro muda o meio e o meio muda o cérebro. Pesquisadores da área de neurologia cognitiva investigam se a de­satenção intrínseca do digital está afetando a construção dos circuitos neuronais.

É cedo para saber. Por via das dúvidas, é importante garantir que um jovem forme circuitos neuronais amplos antes de ren­der-se por completo à rotina digital. A boa literatura ajuda. É desnecessá­rio fazer pesquisa científica para desco­brir o impacto que nos causa a maestria de Amon Tchekov falando de uma dama e seu cachorrinho. Mas até existe pesqui­sa. Em 2008, cientistas da Universidade de Toronto, no Canadá, reuniram 166 universitários e aplicaram um teste para avaliar características como extroversão, estabilidade emocional, afabilidade. Em seguida, dividiram os estudantes em dois grupos. Um grupo foi convidado a ler "A dama do cachorrinho", de Tchekov, pequena pérola sobre a angústia e o arreba­tamento de um casal de amantes. Outro leu a mesma história, só que em forma relatorial. Depois, os pesquisadores rea­plicaram o teste. O grupo que lera a pro­sa de Tchekov mudara significativamen­te a percepção sobre suas emoções. O outro, que lera um texto burocrático, mu­dara muito menos.

A arte acaricia a alma, prova a pes­quisa, mas haverá arte literária na era do pós-papel? É essencial que jovens digi­tais, crescidos na era do "selecione, corte e cole", sejam educados a respeitar a in­tegridade de um texto. É uma violência tirar um pedaço de O Eterno Marido, de Dostoievski, e pôr em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Ou "selecionar" um trecho de Madame Bovary, de Gus­tave Flaubert, e "colar" em O Primo Ba­silio, de Eça de Queiroz - por mais se­melhança dramática que haja entre essas obras. Nem tudo o que é bom é interati­vo. A crítica literária Marjorie Perloff (fã da poesia concreta brasileira) diz que a tradicional imagem do gênio - a mente brilhante que refaz o mundo desde seu reconditório - está morta. O excesso de informação é tal que os novos gênios se­rão banais, sem originalidade. A geniali­dade estará no domínio e distribuição da informação, não na sua reinvenção. Ou­tros, como o poeta Kenneth Goldsmith, que escreveu um livro sobre o assunto, sustentam que a colagem, a apropriação - até o plágio, o tripé "selecione-corte­-cole" - serão a tônica na literatura digi­tal. É assustador.

Mark Twain gostava de arremessar um livro no gato só para ver o bichano saltar em pânico. O poeta Vinicius de Mo­raes lia e escrevia na banheira. Para o ar­gentino Jorge Luis Borges, que morreu cego mas nunca enxergou direito, o paraíiso não seria feito de jardins e fontes, mas de bibliotecas. Orhan Parnuk, o turco que ganhou um Nobel, empilha no criado-mudo os clássicos que relê: Anna Kareni­na, Os Irmãos Karamazov e A Montanha Mágica. Gabriel García Márquez tem 85 anos, mas, quando jovem, lia algumas pá­ginas de dicionário todas as manhãs. Tu­do isso será história na era digital. Não se joga tablet no gato. É perigoso levar apa­relho eletrônico à banheira. As bibliotecas mudarão de aparência, talvez fiquem me­nos paradisíacas. Os dicionários já estão deixando de ser impressos, pois é mais fácil atualizá-los digitalmente - e, na no­va era. não há o que empilhar no criado­-mudo além de um leitor eletrônico com milímetros de espessura. Mas a era digital tem um futuro carregado de promessas. Se será estéril (como temia Sócrates com a escrita) ou se será fértil (como a história se revelou), depende só de nós.

• "É preciso ser cético, duvidar."

Na juventude, quando estudava direito, Roberta Shaffer trabalhou na Biblioteca do Congresso dos EUA, em Washington. Gostou tanto que prometeu voltar quando estivesse no fim da carreira de advogada. Há sete anos, voltou. Chama a biblioteca, com seu monumental acervo em mais de 400 idiomas, de fabuloso exemplo de democracia". Ela responde pela aquisição de acervo. Leitora voraz, tem um leitor eletrônico, mas gosta mesmo é de livro no papel. A seguir, sua entrevista.

Veja - O que a senhora acha da leitura de livros digitais?

Roberta Shaffer - Temos examinado estudos sobre o impacto da leitura eletrônica no aprendizado. Os es­tudos ainda não são numerosos. Mas, até aqui, têm mostrado - e acho que isso vai mudar com o tempo - que as pessoas extraem mais informação ao ler livros físi­cos. O olho humano ainda não es­tá treinado para absorver da tela do computador o mesmo tanto que absorve do livro de papel. Quando estamos olhando coisas no computador, na maioria das ve­zes estamos lidando com material visual ou material pouco denso. Textos narrativos, técnicos, densos requerem um meio mais estático para a boa absorção. Mas acreditamos que se trata de uma característica evolucionária. Por séculos, habituamo-nos à leitura em livros físicos. E só agora, só muito recentemente, nosso cérebro e nos­so nervo óptico estão começando a lidar com um ambiente diferente. Leva tempo.

Veja - Com o mundo ficando cada vez mais digital, as pessoas têm vindo menos à Bibliote­ca do Congresso?

Roberta Shaffer - Infelizmente, o movimen­to hoje é menor. Mas, além disso, há outra questão que nos preocupa. As pessoas hoje têm uma tendência a confiar em qualquer resultado que a ferramenta de pesquisa Ihes oferece como sendo "a me­lhor resposta". Isso é preocupante. É a an­títese de como a Biblioteca do Congresso gosta de oferecer informação. O conheci­mento tem círculos concêntricos e a res­posta que oferecemos está no centro do círculo, mas há todo um entorno. Nossa missão é dizer: "Esteja alerta sobre todas as ondulações ao redor da resposta cen­tral, todas as ondulações que tiveram im­pacto ou estão de algum modo relaciona­das com o tema da sua pesquisa". Na in­ternet, por exemplo, as pessoas dependem do que Ihes é servido sem saber como a informação foi selecionada. As pessoas não olham para trás. Isso é perigoso. É o que chamamos de "falácia do algoritmo".

Veja - É possível reverter essa tendência apesar da popularização crescente do GoogIe, da Wikipedia?

Roberta Shaffer - Felizmente, sim. A Biblioteca do Congresso nunca esteve envolvida com en­sino elementar ou médio. Mas, nos últimos dez anos, passamos a trabalhar com crianças desde o jardim de infância até o último ano do ensino médio. Estamos ten­tando ensinar aos alunos, desde a mais tenra idade, como é uma boa pesquisa. No site da biblioteca, oferecemos uma sé­rie de planos de ensino nos quais mostra­mos como trabalhar com fontes primárias, o valor de acessar um material original e não já previamente digerido. Tentamos de­monstrar que uma mesma palavra pode ter tido um significado no século XIX e outro no século XX. É uma forma de mostrar a importância do contexto. Sobretudo, a ideia é treinar as crianças a não aceitar a primeira resposta que salta na tela do computador. É preciso ser cético, duvidar.

Veja - Apesar de tudo, as pessoas estão lendo mais?

Roberta Shaffer - Temos duas tendências assustado­ras nos Estados Unidos. Uma é o analfa­betismo. Há gente aprendendo por outros meios - auditivo, visual. Não há a mesma pressão para ler de quando éramos uma sociedade estritamente textual. A outra tendência é gente que sabe ler, mas não lê. Só lê on-line, e-mails, blogs. Não faz leitura em profundidade. Considero uma tendência assustadora.

Veja - A senhora lê livros digitais?

Roberta Shaffer - Leio de tudo. Viajo muito no meu trabalho e, antes, leva­va sempre uma mala de livros. Agora, ando com meu leitor eletrônico carregado de coisas que podem me interessar. Levo ma­terial clássico, contemporâneo, pilhas de jornais e revistas. Mas, talvez devido a mi­nha idade, vejo que minha leitura eletrôni­ca é superficial. Quando quero fazer uma leitura densa, mais concentrada, prefiro re­correr aos livros impressos.

Veja - Qual o acervo da biblioteca em termos de livros digitais?

Roberta Shaffer - É uma coleção pequena, ainda, porque não colecionamos leitura popular, a menos que tenha algum valor para pesquisa, nem material didático. Es­ses dois critérios excluem grande parte do que está sendo produzido em formato di­gital. Mas temos um acervo de 158 mi­lhões de itens em mais de 420 línguas. Não temos apenas livros. Temos filmes, fo­tografias, músicas, manuscritos, partituras, notações coreográficas, uma fenomenal coleção de mapas. A biblioteca é aberta a todos, não cobramos nada nem pergunta­mos o motivo da pesquisa. Qualquer um pode vir até aqui, qualquer um pode ver os cadernos de Galileu, tocar numa carta escrita por George Washington. Acredita­mos que o conhecimento não é o domínio apenas da elite financeira ou intelectual. Fico orgulhosa do meu país por oferecer isso. Considero a Biblioteca do Congresso um exemplo fabuloso de democracia.

Ser Professor...


Não basta estar na sala de aula,
É preciso ter vocação.
Não basta ter o diploma,
É necessário saber ensinar.
Querer ensinar.
Estender os limites da paciência.
Ser amigo, antes de tudo.
Passar confiança.
Preocupação.
Esperança...
Ser o procurado pelo aluno:
O espelho para um novo reflexo.

 
Não basta transmitir conhecimento
E omitir sentimentos.
Não vale ser chamado de “tio” ou “tia”
E ficar emburrado.
Tem que assumir o papel.
Os papéis, se assim for necessário.
Afinal, somos um conjunto de tudo isto:
Somos família.
Passamos a fazer parte da família
Quando realmente aceitamos
O gratificante convite
Exposto pelo ser em formação.


Não basta estar professor.
E menos ainda, facilitador.
Deve ser influenciador. 
E sempre lembrar:
Que só haverá resultados positivos
Se não deixarmos de produzir diariamente o alimento-motor:
O orgulho...
O orgulho de ser professor.
De contribuir na concretização do indivíduo.
Do cidadão.
O orgulho de poder ativar na sociedade
O ser pensante,
Que questiona,
Que influencia e altera resultados.
E que foi produzido no mais simples laboratório da vida social:
A “sala de aula”.

(Professor Jerlean Carvalho)

EDUCAÇÃO: A Verdadeira Revolução Humana!

Uma História de Educação!